Situada em Vitória-ES, a galeria
apresenta
obras de artistas locais e nacionais!
Em exposição
As diversas formas de expressão artística, ao longo de sua produção no lado ocidental do mundo, atuaram em um campo ambíguo entre a acomodação e o incômodo causados no público. Se, de um lado, serviram para determinar um modo de ver, sentir e gostar do que poderia ser considerado esteticamente como arte – nesse sentido, exercendo um papel de adestramento e domesticação do gosto do público, normalizando o aceitável e o condizente –, por outro lado houve artistas e/ou tendências que atuaram com um senso de disrupção com a normalização dos modos de ver, sentir e gostar – nesse caso, questionando e implodindo padrões e regras impostos. Assim, o efeito de gostar de uma produção artística sofreria a ação prévia (e automatizada) de saber reconhecer o que pode e deve ser aceito como esteticamente prazeroso – ou seja, o que ajuda a reforçar e sedimentar padrões, regras, normas, valores –, rejeitando e inferiorizando o que se afasta desses moldes.
Ao lado dessa ambivalência da função da arte – entre acomodar e incomodar a cosmovisão do público –, é sabido ainda que o tratamento dado à representação do corpo feminino habitualmente foi feito de modo a se situar nas franjas do leve estímulo erótico, expondo-o e velando-o com véus transparentes, corpos nus lateralizados, peitos à mostra x virilhas escondidas, longos cabelos cobrindo as partes pudicas – um arsenal de recursos que estimulam a curiosidade erótica ao mesmo tempo que tenta conter sua expansão. Nesse contexto, compreende-se a reação policial e repressora, por exemplo, à tela A origem do mundo, de Gustave Courbet, em 1866, justamente em um momento em que se associam e se vinculam de maneira mais cabal as ações repressivas médicas, jurídicas e policiais em torno do sexo, do exercício da sexualidade e do fortalecimento de um eixo que hoje chamamos de cisheteronormatividade.
Entretanto, bem sabemos que o desejo humano procura escapar, aflorar por frestas, fendas e buracos inesperados (talvez, nem tanto), nem sempre à luz do dia, nem sempre à vista de todes, nem sempre entre quatro paredes, mas sempre tentando se manifestar pelos meios mais engenhosos e tortuosos, para burlar a vigilância, se fazer conhecer e fazer gozar as pessoas envolvidas (ainda que seja apenas uma pessoa e suas práticas individuais). Nesses momentos, paus, bocas, cus, bucetas, concavidades e todo um discurso considerado pornográfico se articulam, se espraiam, misturando secreções, tensionando músculos, preenchendo espaços, provocando estremeções, fazendo gozar. Tais (re)ações se apresentam como risco e ameaça ao modelo cisheteronormativo erigido.
De um modo mais evidente, as artes no século XIX tomaram para si o papel de provocar um maior e permanente incômodo a um sistema que se ergueu em torno do processo de criminalização, subalternização, repressão e perseguição a tudo o que foge ao modelo constituído em torno da família nuclear originada da união de um homem e uma mulher. Essa dinâmica mais contínua de incômodo e irrupção com outras formas de ser e estar no mundo se fortaleceu e ganhou novo impulso a partir dos anos 1950-60 por meio de um acentuado processo de valorização e reconhecimento de outras formas de orientação sexual, de identidade de gênero e de expressão de gênero para além do padrão cisheteronormativo.
As artes plásticas (e até mesmo sua convergência com as artes digitais, como no caso da pintura e do desenho digitais) marcam presença nesse processo, sobretudo quando atuam como testemunha e adotam um conteúdo de ativismo social. Nesse sentido, o artista age consciente e voluntariamente a favor de melhores condições de tratamento igualitário para pessoas LGBTQIA+. O processo de criação artística se enreda com as questões do seu tempo, sem ser panfletário (mas se o fosse, não haveria problema), tornando esses trabalhos mais contemporâneos, com fortes ressonâncias na construção de um ambiente mais afirmativo, mais assertivo, como também mais provocador e polêmico.
Os cinco artistas reunidos na coletiva Gostoso – Adeildo Leite, Gabriel Pessoto, Gustavo Rodrigues, Paulo Jorge Gonçalves e Sebastião Miguel – formam uma visão multifacetada sobre como as artes plásticas podem dialogar e contribuir para sensibilizar e incomodar o público. Adotando técnicas variadas de criação – pintura a óleo, aquarela, desenho, bordados, colagem, técnicas digitais –, eles constroem peças performáticas que açulam e brincam com o imaginário. Assim, a singeleza da renda emoldura a sensualidade do corpo nu traçado com a linha e uma mensagem que demarca a necessidade de conviver com a diferença; poses de atores pornôs são reapropriadas para significar uma outra percepção do erótico e do desejo; alguns fetiches são trazidos à cena e aproximados de um olhar mais natural sobre essa forma de manifestação do desejo.
Gostoso expõe o privado, o íntimo, o afeto, o acolhedor, o gesto carinhoso, o erótico, o pornográfico e a sensualidade como forma de expressar que as dissidências de sexo e de gênero são também humanas, geram prazer e gozo, incomodam e problematizam um modelo normativo fantasioso e caduco. Carpe diem.
Luiz Morando
Pesquisador sobre memórias das identidades LGBTQIA+ de Belo Horizonte
Adeildo Leite
Adeildo Leite, artista visual. Nasceu em São José do Egito-PE, (1974), atualmente mora no Recife-PE. Trabalha com apropriação e resinificação de imagens ligada ao desenho e pintura e sua poética tem se estruturado nas narrativas sobre identidade e gênero. Essa série parte de uma pesquisa com os aplicativos de geolocalização (grindr) para encontros sexuais entre homens. Pensando nas articulações entre corpos, tecnologias e espaços, esse trabalho busca perceber as novas relações das práticas sexuais mediadas pelos aplicativos . A série é composta de várias telas em tamanhos diversos entre dipticos, trípticos e polípticos.
Gabriel Pessoto
Gabriel Pessoto nasceu em 1993 em Jundiaí. Estudou Produção Audiovisual (PUCRS) e iniciou o curso de Artes Visuais (UFRGS). A partir de 2015, passou a exibir trabalhos em exposições coletivas e foi contemplado pelo edital da prefeitura de Porto Alegre para ocupar Galeria Lunara, onde montou a instalação “Glória” em parceria com Filipe Rossato (indicada ao Prêmio Açorianos de Artes Visuais na categoria Destaque em Novas Mídias). Em 2016, apresentou a exposição “Trégua”, primeira experiência individual e desenvolveu o projeto de residência artística “Variações sôbre contato: vistas” na Casa13, espaço cultural em Córdoba, Argentina. Desde 2017, vive em São Paulo, onde frequentou o grupo de acompanhamento de projetos artísticos Hermes Artes Visuais. Em 2018, realizou sua primeira exposição individual em São Paulo, “um pouco por dia já é muito”, no centro cultural Casa da Luz. Em 2020, participou do programa de residência “Temos vagas!” do Ateliê397, foi selecionado para a Temporada de Projetos do MARP e foi premiado pela ArtConnect Magazine pelo projeto “trocando figurinhas” desenvolvido em parceria com Nicole Kouts. Em 2021, apresentou a exposição “Ambiente Moderno” na Galeria da Fundação Ecarta em Porto Alegre e, em 2022, participou da Temporada de Projetos do Paço das Artes com o projeto “Realidade Virtual”. Atua também como produtor na mostra de vídeo Festivau de C4nn3$ que já conta com 13 edições.
Gustavo Rodrigues
Gustavo Rodrigues (Belo Horizonte/1988) é artista visual, pesquisador e educador, graduado em Artes Visuais e pós-graduando em Artes Plásticas e Contemporaneidade pela UEMG. Em 2014, iniciou investigações acerca do discurso pornográfico, desenhando corpos masculinos sobre aquarela. As intimidades, desejos, corpos nus e relações sexuais seguiram como principais objetos de estudo, de modo a conflitarem com os interesses de instituições e espaços expositivos, que não se interessavam pela estética sensual e provocativa de suas obras. Uma grande saída foram as feiras gráficas de rua, que permitiram que elas tivessem mais visibilidade e reconhecimento. Em 2016, participou de uma mostra coletiva, a fARTura 2ª edição, na qual a organizadora utilizava o trabalho de outro expositor como “tapume” em suas obras, nos horários de visitação. Em 2017, no auge dos movimentos contra a censura pós queermuseu, participou da exposição Arte Generada, na Escola de Arquitetura da UFMG, juntamente com outros artistas que defendiam a liberdade de expressão artística. Ali, não deixou de vivenciar novamente a censura, quando a universidade resolveu alterar o fluxo do local de entrada, de modo a evitar “certos olhares”, e, finalmente, optar por encerrar a exposição antes do previsto. Rodrigues segue experimentando essas possibilidades físicas e virtuais para uma arte entendida como transgressora, e até mesmo se inserindo em plataformas como o onlyfans (sob a alcunha de Ralf Nitro), tensionando mídias e espaços possíveis que possam viabilizar a exposição de suas ideias.
Paulo Jorge Gonçalves
Artista visual usando como meios a fotografia, pintura e instalações, Paulo Jorge Gonçalves investe na temática do corpo. Formado em pedagogia, arte educação e arte terapia, dedicou sua vida a arte e ao ensino, principalmente com crianças, despertando neles a primeira fase da criatividade e o pensar fora de padrões. Com participações de mostras internacionais e em diversos estados do Brasil destacando as regiões do Nordeste e Sudeste. Ganhador do primeiro Lugar no 13° Salão dos artistas sem galeria do mapa das artes, selecionado para a 17° Abre-Alas da gentil carioca, em 2022. Selecionado no 1° Salão de arte Homoerótico SP, Selecionado no edital leitura de portifólio da Galeria amarelo. Recentemente expondo na Galeria Gustavo Schnoor, Centro Cultural da UERJ. Aborda atualmente os limites Queer estreitos entre sensualidade, erotismo e pornografia. Aborda temas como a prostituição masculina, violência, preconceito, machismo padrão. Através de seu trabalho, revelando um submundo político e minoritário. Pinta e escreve palavras aparentemente em primeiro momento meigas mais acidas quando digeridas nas entrelinhas de um brasil homofônico.
Sebastião Miguel
Sebastião Miguel é artista visual, participa de exposições desde a década de 1980, com individuais no Brasil e coletivas em instituições de relevância no Brasil e Exterior. Nasceu em Nepomuceno (MG), em 1958, é bacharel em artes plásticas pela Universidade do Estado de Minas Gerais, especialista em arte e contemporaneidade pela Escola Guignard-UEMG, e mestre em arte e tecnologia da imagem pela Universidade Federal de Minas Gerais e doutor em arte contemporânea pelo Colégio das Artes, Universidade de Coimbra, Portugal. Foi vice-diretor da Escola Guignard-UEMG. Professor de pintura na Escola Guignard-UEMG. Sua obra, com ênfase em pintura e desenho, discute o próprio processo da pintura, artes gráficas, exposição experimental de artes visuais, literatura, cinema e novas mídias. Investiga a relação entre representação e subjetividade.
Visite a Galeria
Centro – Vitória / ES
De segunda a sexta das 14 às 19 horas
Sábado das 11 às 14 horas
Crédito da imagem: Ana Paula Castro